quinta-feira, março 31, 2005

Parvaneh

Um dia disseste-me: tenho medo do que dizem os teus olhos. Agora sei.

Greenpeace

Sou muito mais que um deus, muito menos que um homem.

Love vs. Hate

It's not hate, it's not hate, it's not hate... it's love.

Ça va de soi

Eu não sou eu: tu não és ele nem ela: eles não são eles: nós...

Palimpsesto

Gostaria de errar pelo mundo, tornando-me imoral como um pajem de Hogarth. Um nómada sem nacionalidade. Na idade que tenho desejaria que todos parecessem crianças a meu lado. Mas apenas em determinadas ocasiões, porque em mim continuaria a residir uma jactância e um entusiasmo que os outros haviam perdido algures na sua adolescência mais desocupada, nos campos de jogos, ou nas salas de aulas. Os meus vícios revelar-se-iam menos na busca do prazer do que no desejo de chocar, por entre um inebriante labirinto de exibições elegantes. O selvagem que os decentes domesticariam continuaria e predominar em mim. E seria cruel, naturalmente, com aquela maneira sádica dos falsos impolutos de se imporem a todas as verdades do mundo. Avançaria de cabeça baixa, agitando os punhos, em pequenos movimentos, contra o mundo dos outros.
Entre dois goles de Crystal cor-de-rosa diria: "A vida? É como engolir um espectro!". E sorriria. O segredo seria só meu.
Algo de vagamente horrível se instalaria dentro de mim e eu pensaria: sou um ser arcaico, sinto-me como se tivesse saído de uma caverna encerrada há séculos. Olharia para o meu reflexo num espelho veneziano, em espiral, e ficaria com a certeza de que o meu rosto havia sido esculpido por um escultor azteca ao tentar fazer um retrato de um qualquer deus falhado e mortal, símbolo de um fim que estava a demorar o seu tempo para se fazer anunciar.
Em frente ao espelho, rodeado pelas sombras de uma decadência sem remissão, saberia: sou um fanático culto, um bárbaro cerimonioso, um lama preso à neve... Almas boas diriam que devia haver uma inquisição de propósito para me queimar.
Nos meus anos dourados seria, talvez, um pouco anafado, mas muito elegante, magnífico, voluptuoso, byroniano, aborrecido, contagiosamente indolente, de maneira nenhuma o género de homem que se possa imaginar facilmente vencido. Teria o ar de quem havia gozado a sua vida, coroado com todas as flores de Sodoma e Gomorra.
Aos outros, apresentar-me-ia com uma impressionante normalidade, naturalmente estudada, mas eficaz. Seria como se me apercebesse da tal aura byroniana e a achasse de mau gosto, tentando anulá-la. Estaria de pé, numa qualquer varanda, apenas uma figura alta e direita, cujo rosto se encontraria mergulhado numa densa sombra quando, finalmente, me voltasse e cumprimentasse as pessoas. Falaria com simplicidade e naturalidade, impressionaria. Quando a luz do entardecer revelasse o meu rosto, por fim, este seria nobre, com um autodomínio que pareceria premeditado: apenas levemente cansado, apenas levemente sardónico, apenas levemente voluptuoso. Pareceria estar no apogeu da vida. Os outros achariam difícil de acreditar que tivesse aquela idade. Só o meu profundo aborrecimento que, por vezes, transpareceria, inevitavelmente, que a máscara seria árdua de usar, trairia essa imagem. Mas, de resto, um cavalheiro perfeito, blasé, sem paixão, desejando o conforto e a tranquilidade, seguindo o sol... um lamento suave até ao fim. E, nessa altura, o meu espírito recordaria o langor da juventude, saciado, pensaria como tinha sido único e sublime, como se tinha perdido depressa e como fora irrecuperável. O entusiasmo, a generosa afectividade, todas as ilusões, o desespero, esses atributos tradicionais da juventude que vão e vêm connosco ao longo da vida, uma parte da própria vida. Sim, mesmo o desespero. Mas o langor, aquele momento de relaxamento dos músculos ainda por gastar, aquele espírito que se isola, prenhe de todo o seu amor-próprio, esse pertencera apenas à juventude e com ela morrera. Sorrindo, pensaria que, talvez nas mansões do Limbo, alguma estirpe de heróis pudesse gozar tal compensação, pela perda dessa visão beatífica. Talvez essa mesma visão pudesse ter alguma vaga afinidade com a mão-cheia das muito pouco elevadas experiências pelas quais passara. Talvez. Seja como for, a certeza de que havia estado muito perto do Céu, em algumas dessas experiências, já não me abandonaria. Seria o palácio encantado que me acolheria.

terça-feira, março 29, 2005

Narciso com pústula

O senhor marquês anda muito estranho.
O senhor marquês está estranhamente feliz.
O senhor marquês não sabe muito bem o que fazer.
O senhor marquês pensa que o mundo à sua volta lhe quer fazer alguma.
O senhor marquês sorri por tudo e por nada.
O senhor marquês teme que a memória dos seus dias acabe por o soterrar para sempre.
O senhor marquês sente que...
Não há nada de mais triste do que sentirmos a memória das nossas vidas como uma névoa cinzenta que nos prende e não nos permite ir a lado algum.
Tem chovido, tenho ficado em casa, observar os meus domínios, a paisagem, as coisas, as pessoas e o resultado tem sido um grande distanciamento entre mim e o resto do mundo. O senhor marquês à janela, acompanhado pelos seus demónios saltitantes e alegres, a pensar: vejo gente morta, sinto gente morta... sei disso porque também não faço parte do mundo dos vivos. Poderia dizer que sou uma alma penada, mas nem isso me alegra. As coisas acontecem tantas vezes que deixam rapidamente de ter piada. Queria uma vida genérica, disse eu algures, mas já não acredito nisso. Gosto quando chove. Gosto de beber quando chove. Gosto de conduzir quando bebo e chove. Fiz isso há pouco tempo. Estou preso a truques rasteiros para me sentir... quê? Não interessa. Vou passar a ser um fantasma que sopra gelidamente na nuca dos vivos. Um acossado com sentimentos, meia criança, meio animal.
O senhor marquês tem fome.
O senhor marquês conduz a rir dos outros mortais.
O senhor marquês goza com tudo o que possa ser sagrado para os outros.
O senhor marquês quer acabar com a decência e com as coisas boas.
O senhor marquês quer ser como o outro senhor marquês mas sabe que seria tão aborrecido.
O senhor marquês recebe mensagens multimédia às 3 da manhã de almas jovens a fumar charros e acha isso o máximo porque é sinal de uma decadência maravilhosa aos 21 anos.
O senhor marquês gosta de pessoas decadentes.
O senhor marquês quer ser uma pessoa decadente.
O senhor marquês não se quer incomodar com essas coisas...
O senhor marquês quer um mundo só para ele. Este já não serve.
O senhor marquês aborrece-se de estar aborrecido...

Para sempre.

Contra mundum.

Sebastian Flyte tornou-se alcoólico por ter vergonha de ser infeliz.

quarta-feira, março 23, 2005

I like that

Quem pensam os Pragas que são?
Quem se julgam eles?
Os Pragas amam o teatro e os Pragas têm ritmo e os Pragas blá, blá, blá... Com certeza.
Os Pragas não facilitam.
Os Pragas vão arranjar muitos ódios de estimação.
Os Pragas chegaram ao Nacional! Meu Deus, mas isto está tudo louco?
Os Pragas nas catacumbas.
Os Pragas na plataforma a profanar os fatos de tantos avatares do nosso teatro ao som da mais impúdica das canções.
The end of days com figurino nas catacumbas do Nacional.
Porque é que isso faz tanto sentido?
Foi rir e arrepiar e pensar: o que é isto? o que é que eles estão a fazer? nada é sagrado? como se atrevem?
Mas, ao mesmo tempo, veio a resposta, clara e sem nuvens: claro! É isso mesmo! Só podia ter sido assim. Naquele local, naquelas circunstâncias, tinha que ser assim.
E os Pragas têm algo de subterrâneo a correr-lhe nas veias, suponho. Quando se chega onde eles chegaram, só voltar às entranhas da terra, ao centro de tudo, ao coração da cena e todos os disparates adjacentes. Sim, o questionar de tudo, como eles pregam, dá estas coisas, de tanto retirar o que já não interessa, chega-se ao ponto em que tudo volta a ser importante.
Os Pragas questionam o teatro sem piedade, pois só voltando a ele poderiam cumprir essa premissa até ao fim. O teatro já não é nada, porque tudo já foi feito, inventado, criado, implodido. Eles sabem, andam a fazer isso há 10 anos. Por isso, ao minimalismo de "Um Mês no Campo" e à fusão crispada e algo desconfortável de "Sobre a Faca, a Mesa", sucede este glorioso maximalismo criativo. Estamos no Nacional, está tudo lá para ser usado, vamos a isso! Com paixão, com gosto, com a faca na liga, a rosa na boca. O teatro é o nosso mundo, vamos a ele, vamos mostrar o que nos dá e o que fazemos com isso.
Estive lá, gostei, senti que aquela gente faz o que quer, como quer, com uma coerência que pode parecer ofensiva a muita gente. Eles divertem-se, partem a louça, apanham os cacos e fazem tudo de novo. Atiram-os à nossa cara e nós agradecemos. Temos falta de mais. Queremos mais. E estamos disponíveis para o que aí vier. E é bom ir ao Nacional sentir tudo isto. Afinal, são as pessoas que fazem a tradição e tornam o sagrado naquilo que ele deve ser: o rasto de quem por lá passa. E como provou a Cláudia Jardim, que ainda continua viva, tudo é relativo. It's all good.

Já agora, quem já tiver visto o filme "The Last Of England", do Derek Jarman, veja e pense de novo, a plataforma a descer, a música, os figurinos. Um tempo sem tempo, uma suspensão absoluta, um fim do mundo. Estarei a sonhar?

Por falar em Jarman, que tal Gregg Araki, Roger Avary, algum Greenaway, os "Anjos e Insectos" do Philip Haas e o "Quarto Homem" do Paul Verhoeven?

E Balanescu. Quartet.

Tentei.

terça-feira, março 22, 2005

Vitríolo

... não sei o que está à minha frente, mas acredito nisso...

sexta-feira, março 18, 2005

A espera é uma forma menor de Arte

Sou uma má pessoa, suponho. Ontem tive a certeza de que as minhas elaborações psico-dramáticas sobre as pessoas resultam. Foi o triunfo, a um tempo assustador e magnífico, de uma imagem que eu tinha criado sobre alguém. Tremi de prazer e triunfo. E assustei-me com o que senti e com as consequências disso. Não há nada mais aterrador do que ter razão sobre determinadas coisas. Por vezes temo que o excesso de oportunidades possa ser fatal para a vida de uma pessoa, em especial se essa pessoa for jovem, bela e disponível para o mundo. Não quero ter razão nisso. Em absoluto. Quero saber o que se vai passar, mas tenho medo. Porque sei o que acontece quando, após muito procurar, se encontra aquela porta no chão que nos permite passar para o outro lado e descobrir uma coisa tão bela quanto terrível: o nosso lugar no mundo. Foi isso. E todas as criaturas belas e jovens e disponíveis acabam por o fazer. O problema é que, depois, não se sabe o que fazer com essa informação e com essa certeza. Olhei de longe, e lá do alto, para aquela silhueta e vi tudo com tanta clareza que gelei. Sei o que se vai passar. Porque quem sente muito, sofre muito e faz todas as asneiras e todas as trapalhadas. Porque se sente, porque é assim que se vive. Quis dizer isso mesmo. Mas não posso. Só Deus. Seja ele quem for. E como o nosso Deus é uma criatura ausente e ocupada, não auguro nada de bom... Seja.

Marcado no corpo jovem o sinal de pertença a um grupo, a uma realidade, a uma esperança. Vou fazer tudo para que isso aconteça. Penso que, de quando em vez, aparece uma alma que vale a pena salvar, acarinhar, tornar nossa e fazê-la voar. Sei fazer isso muito bem. E não quero perder esse gosto, esse prazer solitário, de Deus privado, de moldar esse pequeno tesouro que é um princípio. Todos os princípios do mundo deviam ser tratados como coisas frágeis e belas.

Espero por não sei bem o quê. Realizo-me em boas obras em nome de um qualquer karma que sei não poder cumprir. Mas é o que me resta. E já não é mau. Tenho sido muito elogiado por incutir nos outros todos os princípios que tento destruir em mim. Ironia suprema. Será que ver os outros fazerem o que detesto é mais um passo no caminho para... o quê? Já não quero saber. É a espuma das horas, a poeira dos dias: olá, estou aqui, existo. Não sei mais que isto.

O cabeça no mar vai trazer-me uma compilação dos Imagination. Pois. Prazeres ocultos e pecaminosos dos 80's para consumo solitário. My Own Private Idaho.

Rock'n'roll. Deal with it...

Tiens

...mais l'amour, pauvre petit!

quarta-feira, março 16, 2005

L'ennui

A Mercedes tem um motor Diesel novo, com três turbos. Triturbo. O aborrecimento mata. Voltei a ter o mesmo sonho, pela enésima vez: o Audi A4 azul, a 160 km/h, não consegue parar a tempo e vem bater no meu carro, fazendo-o voar. Não sei o que acontece a seguir porque acordo sempre nesta altura. Toda a minha vida tenho lutado contra o aborrecimento. Não posso deixar de pensar que tenho falhado miseravelmente. Triturbo...

terça-feira, março 15, 2005

A Queda

Sinto o mundo à minha volta estranhamente coberto por uma fina camada de pó avermelhado. Tudo recorda os restos da noite, uma noite entre muitas. Um silêncio sepulcral cai sobre mim. Ainda cheira ao que cheiram as noites como esta. Os despojos estão um pouco por todo o lado. O costume. Sorrisos no meu rosto. Hei-de encher tudo isto com miríades de criaturas maravilhosas, dispostas a tudo, a minha dádiva à sociedade, o meu século vinte e um. Sei que, algures por ali, há corpos em repouso após mais uma épica batalha. Na semi obscuridade daquele tempo sem tempo, sou abençoado com tanta beleza que se torna difícil de suportar. Sinto as pernas tremerem e quase choro. Ali está a realização de toda uma vida. Já não existe o mundo lá fora, mas apenas o meu mundo, o meu circulo infernal de beleza e sacrifício. Acho que estou irremediavelmente apaixonado, mas com uma paixão que não puxa ao sentimental. Posso ser acusado de muita coisa, mas não de ser sentimental. O quadro que ali se me apresenta unta o meu desejo de espectador, do grande voyeur que habita aqui dentro, porque ali está a carne de que os meus sonhos tornados reais se compõem. Os rostos têm expressões rendidas, dispostas a tudo, com os olhos cerrados e os corpos pousados uns nos outros, numa cena com algo de pornográfico, misturado com uma certa companhia amorosa, um certo consolo fascinado, uma indescritível submissão. As coisas são tal como são, por isso este quadro que está aqui à minha frente deve ser verdadeiro: a nudez, a obscuridade, os meus pensamentos, as cores diferentes das peles, a cortina esverdeada, as respirações em uníssono. Sou o príncipe dos perversos e o reles proxeneta, sendo o príncipe e o proxeneta o mesmo ser. Um disfarça-se do outro, para melhor conhecer as forças e as fraquezas mútuas, para desfrutar da realidade, sem qualquer tipo de mediação, do poder, do título, do nome. É possível que, por trás do secretismo e da excentricidade fatal e boémia desta minha existência, esteja um desejo quase freudiano de me evadir do meu nome, de matar a minha identidade terrena, que passa sem muita glória por esta vida, e de acabar com o mundo que me originou, esse mundo tremendo de regras, proibições e superstições. E que originou esta reivenção cheia de sexo, de dinheiro, de falta de respeito pelas coisas ditas boas e recentes da vida. Sexo, dinheiro, poder, a santíssima trindade da perdição humana. A minha realidade.
Ali à minha frente, está o que sempre procurei, o corpo humano deste início de século vinte e um, fruto da segunda metade do século vinte, depois das guerras e da invenção da angústia moderna, depois das máquinas e da invenção do futuro, depois da morte dos deuses e da morte do amor. É isto. Exactamente isto. Corpos sobre os quais a literatura poderia contar fábulas sem fim, corpos que atraem as palavras, as divagações, as histórias, se acharmos que a essência da literatura ainda pode ser essa, uma história contada através de palavras. As histórias que eu crio sobre aqueles (e muitos outros) corpos enigmáticos, com a sua carne branca raiada de rosa e bronze, os órgãos genitais de frente para o mundo, os cabelos desalinhados e suados, as linhas de expressão por vezes desencantadas, mas sempre belas, a ausência essencial dos medos do costume: a morte, a vergonha, a culpa, os outros. São belíssimos estes corpos que não têm medo do seu poder, do seu espaço, do que podem ser capazes, e que nos atiram à cara, em puro desafio e com uma sobranceria despudorada, essa coragem da realidade. A mesma sobranceria fechada em desdém que eu faço passar como imagem de marca, como desafio para o resto do mundo. Os corpos, como as plantas e as folhas verdes dos quadros de Lucian Freud, com os seus interiores desmanchados, os seus lençóis amachucados que ainda cheiram a sexo, as suas caras adormecidas, e as suas formas voluptuosas, são tratados sobre uma humanidade mergulhada numa perfeição muito minha. Sem filtros, sem que a solidez dos desejos ceda à liquefacção das obrigações. Em nome da estética. Num mundo saturado de beleza a todo o custo, através de cirurgias, e dietas, por causa de modas e da moda, de ideais impostos, de ginásios e cosméticos, de revistas ilustradas e homens e mulheres que se mexem como corpos de papel e reflexos de ecrã, aqueles corpos adormecidos são a evidência da realidade dos meus sonhos. Olho para eles e sei que, no universo inteiro, e não importa o que diz essa gente da Física Quântica e da Ciência, da Astronomia e da Matemática, não existem outros corpos iguais àqueles. Eles são, na sua nudez e no seu pecado original, irrepetíveis. Únicos. E são únicos não por causa de uma qualidade intrínseca, não por causa da mão algo crispada, da expressão concentrada, da brancura da pele, ou da ternura da boca, ou das suas posições dentro do quarto e da cama, não por causa da expressão sem expressão do meu rosto enquanto os observo, não por causa das desordens amorosas de Sábado à noite e das ressacas e olheiras de Domingo de manhã. São únicos porque me atrevi a ser único. Porque deixei os meus demónios à solta, contra ventos e tempestades. E, ou muito me engano, ou não hão-de existir demónios tão livres como os meus. Para o melhor e para o pior. São eles que me tornam universalmente irrepetível. Filho de Deus, portanto. Suprema ironia...

Feliz aniversário, Marti. É por causa de almas como a tua que vale a pena andarmos por cá. Um abraço grande.

sexta-feira, março 11, 2005

O Prazer da nossa Vergonha Privada

O que seria de nós se não pudessemos criar o nosso próprio mundo, a nossa fantasia privada, o nosso pequeno inferno? Julgo que a nossa imaginação pode ser o pior dos demónios mas, mesmo assim, não consigo deixar de, por vezes, deixar a loucura ir até ao limite, para poder ver o que se vai passando cá dentro. Por mim, tenho uma certeza, este tempo não é o meu. O que não quer dizer muito, uma vez que também não sei que tempo seria esse. Sinto-me, por vezes, atolado um turbilhão de imagens que me submerge e me deixa sem ar, tonto de tanta informação, de tanto estar em tantos lugares ao mesmo tempo. Um tempo sem tempo. Tenho andado a rever a série "Brideshead Revisited" e não posso deixar de pensar que queria ser Charles Ryder nos anos 20, porque tudo aquilo me titila profundamente os mais secretos recantos do meu ser. A pronúncia, as roupas, as tradições, as casas, o spleen e tudo o mais. Até a música de Geoffrey Burgon. Rodriguinhos e tudo. Penso: era isto. Mas não, não era isto. Era mais. Muito mais. Todos os tempos do mundo num só momento. Um filme de Derek Jarman. Por aí. Música de Michael Nyman. As cores de Greenaway. Um suspensão absoluta, como se a vida fosse um fio tão fino que se tornasse inivisível. Insustentável. Mas essa seria a grande piada. E seria tudo feito com grande estilo, naturalmente. Disso não abdico. E aí começa o problema. O estilo é complicado, porque é uma imensidão. Jarman parece-me adequado por isso. Mas não chega. Preciso de Porsches descapotáveis e Jaguars verdes e Bentleys prateados ao pôr-do-sol na Califórnia, com filtros e mais filtros, como num filme do Tony Scott ou do Ridley Scott. E um guarda-roupa chei de marcas e acessórios ridiculamente caros. E muito champanhe côr-de-rosa e muita droga. E sexo aborrecido e distante, entre um mar de corpos perfeitos à deriva: uma mar azul cheio de torsos ideais a flutuarem sem rumo... Yeah, é uma boa imagem. Mas ainda não chega. Falta o resto, a relativização. A relativização de tudo, dos sentimentos, das regras, das condutas, das obrigações para connosco e para com os outros. Nada importaria. Nada até às últimas consequências, até matar e morrer, torturar e humilhar, chegar até Deus pela violência indolente de uma vida reduzida ao look total. Somos aquilos que queremos parecer. O mais interessante seria calcular as vítimas da situação, ver quem conseguiria ir até ao fim. Um espectáculo divertido e surpreendente, tenho a certeza. Last one standing. Vale tudo. Tenho pena que assim não seja. Fico apenas com os meus filmes. Privados. Envergonhados. Nas minhas aulas tento incutir aos miúdos, pelo menos a alguns, algo destas tiradas. Pode ser que fique alguma coisa. O futuro o dirá.

"Lift me up" de Moby é a melhor canção que os Depeche Mode nunca fizeram. Amen.

"In my dreams I was drowning my sorrows, but my sorrows they learned how to swim..."
U2, "Until the End of the World", "Achtung Baby", 1991.

quarta-feira, março 09, 2005

Teresa

Disse Sta. Teresa d'Ávila: "Muitas mais lágrimas foram derramadas devido a preces atendidas, do que a preces que não o foram..." You said it, girl!

Prece

Oh, meu Deus, torna-me bom, mas não já...

terça-feira, março 08, 2005

II

Tenho andado a pensar o que faria se tivesse 50 biliões de dólares e estou prestes a chegar à conclusão de que não tenho imaginação nenhuma. Seria um bilionário muito baço. E o mundo não precisa de mais dessa espécie. Não sou capaz de passar dos carros, dos palácios barrocos, dos iates, dos aviões paticulares e de uma ou outra ilha nas Caraíbas/Grécia/Pacífico. Nem uma ideia original. Apenas um esboço: elevar-me a mecenas dos Pragas. Já seria bom. Um raio de luz numa monotonia dourada.

Mais um trauma desta cabeça muito vesga: não hei-de morrer sem conhecer uma mão-cheia de actores porno. Nem sei bem porquê, mas sinto que tenho que o fazer. Gostaria de conseguir perceber o que leva um de nós, um belo dia, a fazer um filme porno. O dinheiro, dir-me-iam, mas continuo a pensar que deve haver mais qualquer coisa. Estes pensamentos ocorrem-me após ter visto excertos do filme "Hot boyz, cool men" produzido pelo Lars Von Trier. Dogma porno. Será que a pornografia pode ser arte? Aquilo que nós filmamos nos nossos quartos, com as nossas câmaras digitais será arte? Penso que sou um rematadissimo voyeur, afinal, Deus, ele próprio, está lá em cima a olhar para nós o tempo todo. Ora, se nós somos feitos à Sua imagem, também gostamos de fazer o mesmo.

Portugal é um País seco. Nem o Sócrates nos alegra. Maldita saudade e tudo o resto que nos mantém agrilhoados a uma nostalgia draconiana. Mil anos de catolicismo e estamos neste ponto...

Os Chemical Brothers têm um álbum novo, chamado "Push the Button", que me agrada. São os sons de sempre para o novo ano. Mal o menos.

Aqui há uns tempos, um amigo meu de 21 anos disse-me que não sabe o que se anda a passar com ele: é uma espécie de imã, ninguém o larga, homens, mulheres e tudo no meio. Isto sem contar com as duas namoradas/amigas especiais... Vida dura, portanto. E ainda a semana passada esteve em Paris com uma delas, beijos apaixonados no cimo da Torre Eiffel e tudo. Agora imaginem a cena: no meio de uma discoteca, luzes e música a bombar, duas meninas, primas direitas, aproximam-se, uma por trás, outra pela frente, levantam-lhe a blusa e deixam a marca das respectivas unhas pintadas de vermelho no peito e nas costas. Fantástico, não é? E viva Ferreira do Alentejo!

Tenho a idade de Cristo quando morreu pelos nossos pecados: 33 anos. Não sei o que isso pode significar...

Out.

Jogo Cósmico

Benassi Bros., Pumphoniq. Assim mesmo. Apenas barulho e todos os clichés de uma música de dança em piloto automático para consumo drogado em Ibiza. Para esquecer rapidamente. Como proposta, não é muito, admita-se. Pois. Então, porque é que não consigo parar de ouvir o raio do CD? Não há nada melhor do que aquele thump-thump-thump-thump-thump contínuo para me fazer sentir poderoso de manhã, a caminho do trabalho. Será normal? Acho que isto faz de mim uma criatura com uma cabecita muito rebentada. Às 8 da manhã, em plena estrada nacional 120 a abanar furiosamente a cabeça e a sentir-me qual personagem do filme The Rules Of Attraction. E vocês até sabem qual delas. Adiante. Preciso de estímulos, quaisquer que sejam, para me sentir um poucochinho vivo. Nem que seja durante aqueles 15 minutos que dura a viagem. Não adianta muito,naturalmente, mas já é qualquer coisa. Já não era suposto ter idade para fazer/sentir este tipo de coisas, cenas destas é o que fazem os meus alunos, mas eles têm 18 anos. Isto de ter a idade de Cristo tem que se lhe diga. Mas, ao menos, não sou o único. Pobre compensação. Não pode haver felicidade por comparação.

Gravidade Impiedosa

Estamos condenados a viver num país triste? Faz sol e mesmo assim as perspectivas de um pouco de felicidade são poucas e pobres. Chego a pensar que gostaria de viver na Califórnia. Mas não. Entre sorrisos e um sentido de humor derrisório e autofágico cá vamos andando. Ao menos a piada à nossa custa ninguém nos tira. Pobretes e alegretes, como dizia o outro. A felicidade nunca pode ser vivida em termos comparativos, eu sei, mas já nem as desgraças dos outros nos alegram.
Uma história significativa: um lavrador português tem um burro. O burro morre e o que pede ele a Deus? Que os burros dos vizinhos morram também...

Estou a ouvir os Keane enquanto preparo uma aula para um grupo de adolescentes aborrecidos que não querem saber de nada do que eu tenho para lhes dizer e me toleram porque não podem levar mais faltas. A vida é uma grande, enorme pescadinha de rabo na boca. Quem me dera ter um Bentley Arnage T prateado e ir por essa estrada fora até me aborrecer. Yeah! California style. Será que seria mais feliz? Duvido.

This is the last time...

As perspectivas de vida para um (qualquer) futuro são cada vez mais encolhidas...

Quem me dera escrever um livro só com títulos de capítulos. Maravilhosos, a valer por si próprios, sem necessidade de mais nada. Porque é que temos que preencher todos os espaços de tudo com alguma coisa?

Adoraria uma vida genérica.

Deus morreu? Não quer dizer nada, Nietzsche também.

bu

Alguém me disse que a amizade é como um porco: tudo se aproveita.

Sinto-me morno, imerso numa lassidão sem fim à vista. Será porque estou a ouvir a banda sonora do "Leaving Las Vegas"? Ou será porque faz sol em Março? Não sei o que fazer comigo. Li algures que não acontecem milagres aos 18 anos, nem aos 20, nem aos 30... Bolas, então quando...? E se acontecerem, o que farei com eles? Os humildes irão herdar a Terra. Pois eu acho que os humildes não a querem para nada. Eu sei que não. Raios partam.

Não gosto de rock, é música de velhos.

A loucura é uma coisa branda, que se vai instalando docemente.
Preocupo-me.

Lie to me, but do it with sincerity...

segunda-feira, março 07, 2005

1930

A década de 30 do século XX é fabulosa. O look dos 30's é qualquer coisa. E não há nada tão maravilhoso como a década de 30 britânica. Semprei considerei que havia algo de fantasmático entre o glamour daqueles anos e a emergência daquele mal absoluto que iria culminar com a Grande Guerra. Um mal produzido por um dos países mais cultos do mundo. É, a cultura não evita nada. De qualquer modo, tudo isto aparece a propósito do filme "Being Julia". Não que seja um grande filme, nem é isso que está em questão, o que me agradou foi o seu poder evocativo sobre os anos 30 ingleses. O academismo sempre casou muito bem com a snobbery inerente a uma certa espécie de casta anglo-saxónica que esteve no seu pico nessa altura. Li algures que a civilização britânica se extinguiria à míngua de afectos verdadeiros. Seja. Mas fazem-no como ninguém. A presença de Jeremy Irons no elenco trouxe-me à memória outro avatar da "British Quality", seja isso o que for: a série "Brideshead Revisited", que será sempre um símbolo de britishness até ao fim bárbaro dos tempos. Mesmo tendo em conta que, não fora a voz de Jeremy Irons, tudo aquilo seria uma estucha insuportável. Mas, adiante. O academismo funciona como o complemento perfeito para este look. Aí residem os limites da questão. O academismo é aborrecido. E o aborrecimento é fatal. Ninguém lhe sobrevive. Por isso é que sempre me fascinou o conceito de pegar no embrulho académico do cinema e fazê-lo explodir em todas as direcções, mas sempre sem perder o brilho, a reserva, a distância, o spleen do cavalheiro a observar o mundo por entre a névoa da margem oposta. Imaginem o James Ivory a filmar como o Tarantino. Por aí. O "Maurice" via Tarantino/Avary, com passagem por Gregg Araki. Era como juntar num mesmo ramalhete Cronenberg, Lynch, Fincher, Visconti, Frears e Pasolini. O que poderia sair disso? Enquanto estava a ver o filme não parava de pensar: Rebentem com essa merda toda...". E depois, foi um partir de coração ver aquele pequeno Tom Sturridge a fazer de filho de Ms. Bening, com aquela expressão neutra, fria, aborrecida, britânica. Aquela criança merece um monumento e um grande realizador, num daqueles papéis para ficar para sempre. Anos 30, casas de campo, Bentleys descapotáveis, fatos de tweed, morangos com champanhe e tudo o mais. E muita ambiguidade à mistura, sexual, moral, social e... e... e.... Enfim!

Ontem estive a ouvir Bowie, às duas da manhã, a caminho de casa. Curiosamente, ou talvez não, o que ouvi foi o Bowie dos anos 80, quando a musa começou a falhar. Gosto da decadência das estrelas. Má música de um génio. O que pode haver de melhor? Mesmo assim, amo profundamente o "Loving the Alien" e a versão dos Pet Shop Boys para "Hallo Spaceboy". A mistura parece-me adequada.

Leitura de dinamite: "Quarteto" de Heiner Müller. Mal posso esperar por ver aquelas palavras em palco. Apetece dizê-las, só porque sim. Espero que aquelas duas almas se deixem possuir. Para nosso (e deles, claro) deleite...

sexta-feira, março 04, 2005

Danse Macabre

Não sei porquê este título. Apeteceu-me. Será por causa do disco dos The Faint? Mas é um bom começo. Além disso eles vivem naquele limbo em que os anos 80 ainda estão presentes mas já vistos de uma perspectiva longínqua, filtrada onde o que interessa é já apenas o look... o que quando se fala dos 80's é preocupante. Acho que o meu problema é exactamente esse: por vezes é-me difícil distinguir a realidade destes anos trsites em que vivemos. E nem sei bem porquê, uma vez que já cheguei aos 30 anos e já consegui aquele clique essencial para a nossa felicidade enquanto trintões: já sei o que não quero da vida. Não é mau. Mas nada poderá chegar aos 80's e aquela época louca de excessos e de descobertas descontroladas. Sinto uma nostalgia desmesurada, quase paralisante. Talvez por comodidade.

No outro dia, no Cup&Cino do Saldanha, no reyno da Betolândia lisboeta, vi, com gozo e saudade o Penetrador Gótico a fingir um espasmo de mau gosto e nojo e cair redondo no chão, ante os olhares de todas aquelas criaturas bem vestidas e bem postas. Era a noite dos Óscares, pois então e o PG estava em overacting mode. Diverti-me. Porque ele tem 23 anos e eu já nem me lembro de 1994. Entre a breve loucura de um grupo de amigos entregues a um estupor de piadas privadas e coisas muito nossas, não pude deixar de concluir que o mundo produz algumas almas maravilhosas. Por vezes, até custa a imaginar o que o futuro trará. Veremos.

O Moby tem um disco novo. Hotel. O single chama-se "Lift me Up" e já roda por aí. Gosto. Mais compras: "Nightbird" dos Erasure. Ainda. Lá estamos nos 80's outra vez. Apesar do sorriso, a frescura já lá vai. Mas o "Breathe" não é mau.

As Brandas Hélices voltaram...