terça-feira, abril 04, 2006

kuri-kuri

Naquele dia em especial as recordações pareceram-me estar profundamente presentes. Olhava em volta e via sombras, lugares, cantos, esquinas reconhecidas e sentidas, como se tudo aquilo se tivesse passado ontem e não há vinte anos. Encostado ao jipe, esse símbolo da minha prosperidade conseguida a preço terrível, com um céu cinzento a ameaçar chuva a qualquer momento, senti-me outra vez jovem, com a carne e o espírito frescos, pronto a tomar o mundo de frente, sem medo. As pessoas à minha volta pareciam flutuar numa meia-luz líquida, impressionista. Este meu mundo de hoje é um lugar estranho, cinzento, vazio de maravilhas e de espantos, tudo aquilo que eu jurava a pés juntos não conseguir viver sem. Mas aqui estava eu, no mesmo sítio, estes anos todos depois daquele Verão em que tudo se passou e em que eu achei, com todas as forças do meu ser, que estava apaixonado e que isso iria definir toda a minha existência daí para a frente. Como estava certo. E como estava errado. Sim, estava apaixonado, sim isso definiu a minha vida. Mas não como eu estava à espera. A minha vida foi definida. Mas pela face contrária. Pela perda, pela admissão de um falhanço absoluto, pela impossibilidade de um regresso aqueles dias na Arcádia. Essa Arcádia que era aqui, neste mesmo local. Do alto do monte, olho e vejo o que já lá não está, um mundo dourado de esperanças, de amores prontos a deflagrarem, de sensações e de toques, de inflamados corações. Tanto tempo. E eu já não sou o mesmo, nem consigo sorrir. Só consigo sentir o metal frio do Range Rover a lembrar-me a distância entre as recordações e a realidade actual. Sei que se entrar naquele enorme palácio, estarei a voltar a um tempo sem tempo, a uma suspensão de partículas sem nome. Sei que estarás lá. E essa contingência faz-me estremecer. Fecho os olhos. depois.

1 comentário:

Paulo Esteves disse...

Temos de volta o Marquês!