O que seria de nós se não pudessemos criar o nosso próprio mundo, a nossa fantasia privada, o nosso pequeno inferno? Julgo que a nossa imaginação pode ser o pior dos demónios mas, mesmo assim, não consigo deixar de, por vezes, deixar a loucura ir até ao limite, para poder ver o que se vai passando cá dentro. Por mim, tenho uma certeza, este tempo não é o meu. O que não quer dizer muito, uma vez que também não sei que tempo seria esse. Sinto-me, por vezes, atolado um turbilhão de imagens que me submerge e me deixa sem ar, tonto de tanta informação, de tanto estar em tantos lugares ao mesmo tempo. Um tempo sem tempo. Tenho andado a rever a série "Brideshead Revisited" e não posso deixar de pensar que queria ser Charles Ryder nos anos 20, porque tudo aquilo me titila profundamente os mais secretos recantos do meu ser. A pronúncia, as roupas, as tradições, as casas, o spleen e tudo o mais. Até a música de Geoffrey Burgon. Rodriguinhos e tudo. Penso: era isto. Mas não, não era isto. Era mais. Muito mais. Todos os tempos do mundo num só momento. Um filme de Derek Jarman. Por aí. Música de Michael Nyman. As cores de Greenaway. Um suspensão absoluta, como se a vida fosse um fio tão fino que se tornasse inivisível. Insustentável. Mas essa seria a grande piada. E seria tudo feito com grande estilo, naturalmente. Disso não abdico. E aí começa o problema. O estilo é complicado, porque é uma imensidão. Jarman parece-me adequado por isso. Mas não chega. Preciso de Porsches descapotáveis e Jaguars verdes e Bentleys prateados ao pôr-do-sol na Califórnia, com filtros e mais filtros, como num filme do Tony Scott ou do Ridley Scott. E um guarda-roupa chei de marcas e acessórios ridiculamente caros. E muito champanhe côr-de-rosa e muita droga. E sexo aborrecido e distante, entre um mar de corpos perfeitos à deriva: uma mar azul cheio de torsos ideais a flutuarem sem rumo... Yeah, é uma boa imagem. Mas ainda não chega. Falta o resto, a relativização. A relativização de tudo, dos sentimentos, das regras, das condutas, das obrigações para connosco e para com os outros. Nada importaria. Nada até às últimas consequências, até matar e morrer, torturar e humilhar, chegar até Deus pela violência indolente de uma vida reduzida ao look total. Somos aquilos que queremos parecer. O mais interessante seria calcular as vítimas da situação, ver quem conseguiria ir até ao fim. Um espectáculo divertido e surpreendente, tenho a certeza. Last one standing. Vale tudo. Tenho pena que assim não seja. Fico apenas com os meus filmes. Privados. Envergonhados. Nas minhas aulas tento incutir aos miúdos, pelo menos a alguns, algo destas tiradas. Pode ser que fique alguma coisa. O futuro o dirá.
"Lift me up" de Moby é a melhor canção que os Depeche Mode nunca fizeram. Amen.
"In my dreams I was drowning my sorrows, but my sorrows they learned how to swim..."
U2, "Until the End of the World", "Achtung Baby", 1991.
sexta-feira, março 11, 2005
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